Licenciada em Artes Cénicas, a produtora, caracterizadora e professora, Elaine Caiombo é uma das vozes femininas mais consistentes do teatro angolano contemporâneo. Atriz de alma e fé, fala com serenidade sobre o caminho que trilhou, as feridas que curou e o papel da arte na reconstrução da identidade cultural angolana.
Acompanhe conversa!
Quem é Elaine Caiombo?
Elaine Caiombo é atriz de profissão, licenciada em Artes Cénicas, produtora, caracterizadora e professora.
E quem é a Elaine como pessoa?
Sou uma pessoa muito tranquila, às vezes reservada, gosto de silêncio e de estar no meu canto. Se for em companhia de louvores, melhor ainda.
Onde se descobriu como pessoa?
Em Luanda. As tomadas de decisões, os erros e os acertos ajudaram-me a descobrir quem sou.
Como surgiu a paixão pela representação?
Comecei nas comemorações natalícias da Igreja Metodista Unida, quando tinha 12 anos. Foi ali que me apaixonei pela representação e desde então nunca mais parei.
Ser licenciada em Artes Cénicas é apenas um título académico ou também um ato de afirmação num país onde a arte nem sempre é valorizada?
Para além de ser um título académico que faz parte do meu currículo, é também um ato de afirmação. Apesar de ainda faltar valorização das artes, as escolas médias e superior mostram um passo à frente no caminho para a profissionalização do artista. Até porque sou professora de teatro, voz e dicção, expressão dramática e caracterização.
Entre todas as funções que desempenha — atuar, produzir, caracterizar e ensinar — qual delas mais revela a tua essência?
Eu tenho uma grande paixão por todas, mas representar aquilo que é a vida é a minha essência. Dar vida a uma personagem é algo que me completa. O teatro tem a missão de moldar, consciencializar e educar uma sociedade, e poder fazer parte dessa missão traz ao de cima toda a minha essência.
A professora Elaine dialoga com a atriz Elaine? Há momentos em que uma puxa ou corrige a outra?
Até certo ponto sim. Muitas vezes tenho de levar a Elaine atriz para ajudar na compreensão da matéria do momento, principalmente quando ensino interpretação ou expressão dramática.
Já se viu transformada por um personagem ao ponto de quase não se reconhecer?
Muitas vezes. Isso acontece constantemente. Como pessoa, sou muito diferente das personagens que visto.
Qual foi a ferida mais profunda que teve enquanto artista e qual cicatriz mais bonita que lhe deixou?
A ferida mais profunda foi quando perdi uma tia no final de semana em que tinha espetáculo, e fazia a personagem principal dos dois dias. No primeiro dia, quando regressei, vi pessoas na porta da casa da minha mãe e, ao chegar, encontrei o corpo da minha tia a ser levado para a morgue. A cicatriz mais bonita tem nome: Felisbela Filipe (Esther), a minha primogénita.
Existe algum ritual pessoal que a ajuda a mergulhar nas emoções de uma personagem?
Nunca piso o palco sem antes ter uma conversa com Deus. O dom me foi dado por Ele. Mesmo após a oração coletiva, faço sempre a individual.
Há um personagem ou obra que marcou a tua trajetória, vive em ti e nunca vais esquecer?
Sim. Um Minuto para Amar, uma adaptação do livro homónimo de Felisberto Filipe (em memória). Em parte, fala sobre mim. Foi com essa obra que ganhei o título de Melhor Atriz no Prémio de Monólogos Victoria Soares.
Se tivesse de definir a sua vida em cena como uma peça de teatro, qual seria o título?
Silêncio. Estaria no papel de mensageira.
Como olha para o teatro hoje?
Já vivemos tempos piores. Hoje o teatro está a se fazer presente na vida de muitas famílias. As peças estão mais bem elaboradas, os conteúdos mais profundos. A valorização ainda é sussurrada, mas está a chegar.
E o futuro do cinema e do teatro em Angola?
Vejo um país com uma indústria das artes. O cinema, por si só, pode gerar economia e reduzir o desemprego. Pena que os empresários ainda não apostem neste setor.
Que batalhas mais sente que trava enquanto artista em Angola?
A pouca valorização do trabalho árduo do artista.
O que a inspira a continuar, mesmo diante das dificuldades?
Acredito no poder transformador da arte. Hoje, não subo ao palco simplesmente por subir. Sei que cada ação feita pode provocar reflexão em quem está na plateia. O prazer de contribuir para uma sociedade saudável faz-me continuar a viver a arte mãe.
Como vê o papel do teatro e do cinema na construção da identidade cultural angolana?
As duas artes reproduzem a nossa cultura de forma artística. Preservar a cultura através das artes permite que outros povos conheçam a nossa essência e a nossa identidade. Sou mentora de um festival infantojuvenil que fala sobre a cultura angolana, desde as danças, gastronomia, vestuário, hábitos e costumes, valorização das línguas e preservação cultural. Chama-se Cilika Ukongwe ku Xicola (CUKX).
Que Angola gostarias de ver refletida nos palcos e nas telas nos próximos anos?
Uma Angola mais consciente do poder da arte e com políticas públicas que apoiem efetivamente o setor. Muitos temas que levamos ao palco são sociais e infelizmente fogem ao nosso controlo.
Quantos personagens já representou?
Centenas!
Entre todas as memórias que colecionou, qual gostaria que permanecesse viva quando alguém se lembrar do nome Elaine Caiombo?
A relação.
Qual é o legado que gostarias de deixar, não apenas à cultura, mas também às mulheres que virão depois de ti?
Que cada um de nós deve dar o seu contributo para deixar o mundo melhor do que encontrou.