Nos bastidores da nossa política, desenrola-se um jogo de poder que a maioria dos cidadãos não vê, mas que sente na pele todos os dias. A nossa Constituição garante a liberdade de associação e o direito de as classes profissionais se organizarem em grupos de interesse. A Ordem dos Médicos, o Sindicato dos Jornalistas, a Ordem dos Advogados – todos estes são pilares essenciais da nossa sociedade. Eles são a voz coletiva que defende os direitos, a qualidade e os padrões de ética de cada profissão, e, mais importante, atuam como um contrapoder ao Estado.
No entanto, um regime que tem medo da crítica e da alternância não pode permitir que essas vozes sejam independentes. A estratégia é clara e, à luz da Sociologia Política, perfeitamente compreensível: se não se pode controlar diretamente a voz da sociedade, então cria-se uma outra voz, alinhada e subserviente.
É aqui que entram os Comités de Especialidade. Pense neles como a "Ordem dos Advogados do partido" ou o "Sindicato dos Jornalistas do regime". Estes organismos paralelos não nascem da necessidade genuína de uma classe profissional, mas sim da necessidade política do regime de ter um eco. Recebem orientação partidária, são financiados e têm como principal missão vetar qualquer iniciativa que fira os interesses do poder.
A lógica é perigosa e eficaz. Quando uma Ordem profissional genuinamente tenta defender os seus membros – por melhores condições de trabalho, por aumento salarial, por independência – o regime utiliza os seus comités para minar essa luta. Descredibilizam os líderes independentes, acusam-nos de serem "agitadores" ou de terem "interesses políticos" e, em muitos casos, concorrem para liderar as próprias ordens profissionais, garantindo assim que a sua voz seja o único eco permitido.
O resultado é uma sociedade asfixiada. A Ordem dos Advogados deixa de defender a justiça, mas sim os interesses do poder. A Ordem dos Médicos deixa de lutar pela saúde pública, mas sim por interesses de uma elite. O Sindicato dos Jornalistas deixa de defender a liberdade de imprensa, mas sim a narrativa oficial. E, no fim das contas, quem sofre é o cidadão comum, que não tem uma voz que o defenda, que não tem um serviço de qualidade e que vive numa sociedade onde a crítica é vista como um crime.
A luta pela independência desses grupos não é apenas uma luta interna de profissionais. É uma luta pela democracia, pela liberdade e pela justiça social. É imperativo que os profissionais de todas as áreas compreendam este jogo, participem ativamente nas eleições das suas ordens e defendam a sua autonomia, para que a nossa sociedade não perca a sua última linha de defesa contra o totalitarismo.